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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Coitado, virou poeta!



Artur da Távola
Curioso, em nossa fala brasílica, doce e deliciosa, os verbos saltarem mais que baiacu no samburá.

O sol, por exemplo, não "sola", faz :
- Ontem não fez sol.
E o frio? Este, não esfria: o frio está. E na fala popular, "tá":
- Tá frio, hoje!
Já o tempo, este é um leviano! Ele abre e fecha. "Ah, que bom, o tempo abriu hoje de manhã". E o tempo fecha também quando há briga. "Chii, o tempo fechou lá em casa hoje".
Em nossa fala, os verbos saltam mais que baiacu
Você sabia que restaurante abre? "Sabia que abriu um restaurante lá no meu quarteirão?". Já o jornal é pródigo. Ele dá e ele sai. O rádio não sai, dá. "Deu no rádio, não ouviu?". Pois não é que a lua também sai, a exibida.
A televisão, mais vaidosa, não sai. Ela dá. Como o rádio. "Deu na televisão". Porém não se contenta em dar. Ela faz aparecer, a milagrosa. "Viu o Jonir? Ele apareceu na televisão com a bandeira do Brasil comemorando a vitória da Seleção".
O sol não "sola", faz. E o frio não esfria, o frio está
Já os místicos arranjaram verbos notáveis. Vejam só. Tarô se bota; búzios se joga. E carta também bota. "A Branca botou tarô para mim".
E o verbo bater? Danadinho ele. Encheu-se de significantes e ficou gordinho. Olhem só: "Às duas da tarde me bateu uma fome!". E ele virou até concordância: "Minha opinião bateu com a dele!" E cálculo também bate, quem diria. "Fiz as contas, comparei com os recibos e não bateu".
O cansaço tem complexo de inferioridade. Ele não sobe. Ao contrário, baixa. "Pô, me baixou um cansaço!" Aliás, fome não apenas bate. Ela também baixa, como baixa o sono. "Depois do almoço me baixou um sono!"
Sentar. Ah sentar! Além daquele uso meio indecoroso que a gente conhece, agora sentar é reunir-se para deliberar. Sindicatos, grevistas, ministros sentam. "Agora precisamos sentar para resolver a questão pacificamente". Uai, só sentado?
E quanta coisa mais:
- Ontem soprou um vento!
- Fulana recebe espíritos.
Céu "limpa". Já político e poeta a gente "vira". "Lembra de Artur? Depois que virou político, nunca mais escreveu boas crônicas"...
(Jornal O Dia, 02/12/2001)

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